domingo, 18 de janeiro de 2009

Palavras do profeta de uma nova religião.





Por que assistir o Laovoura Arcaica?

Esse filme baseado na obra homonima do Raduan Nassar é um recado claro para todos aqueles que já se sentiram a Ovelha Negra da familia.Para todas aquelas figuras ''analisadas'' ou não, que lutam num divã ou sozinhos para se livrar das amarras da nossa herança familiar.As vezes é uma boa herança, as vezes ruim...mas certamente a transição da dependência pra independência é traumática!Seja como for que você resolver isso (e tem grandes chances de nunca se resolver), você vai se pegar naquela situação incomoda de deixar de viver por ver o rosto parado da sua mãe (ou pai, ou o diabo que for) pairando etéreo acima da sua cabeça e fazendo cara feia pra você.

Eu tô empobrecendo a riqueza da obra de arte ULTRA-MEGA-REQUINTADA-E-POÉTICA.Então eu fico com as palavras do próprio Raduan:


“... e embora caído numa sanha de possesso vi que meu irmão, assombrado pelo impacto do meu vento, cobria o rosto com as mãos, era impossível adivinhar que ríctus lhe trincava o tijolo requeimado da cara, que faísca de pedra lhe partia quem sabe os olhos, estava claro que ele tateava à procura de um bordão, buscava com certeza a terra sólida e dura, eu podia até escutar seus gemidos gritando por socorro, mas vendo-lhe a postura profundamente súbita e quieta (era o meu pai) me ocorreu também que era talvez num exercício de paciência que ele se recolhia, consultando no escuro o texto dos mais velhos, a página nobre e ancestral, a palma chamando à calma, mas na corrente do meu transe já não contava a sua dor misturada ao respeito pela letra dos antigos, eu tinha que gritar em furor que a minha loucura era mais sábia do que a sabedoria do pai, que a minha enfermidade me era mais conforme que a saúde da família, que os meus remédios não foram jamais inscritos nos compêndios, mas que existia uma outra medicina (a minha!), e que fora de mim eu não reconhecia qualquer ciência, e que era tudo só uma questão de perspectiva, e o que valia era o meu e só o meu ponto de vista, e que era um requinte de saciados testar a virtude da paciência com a fome de terceiros, e dizer tudo isso num acesso verbal, espasmódico, obsessivo, virando a mesa dos sermões num revertério, destruindo travas, ferrolhos e amarras, tirando não obstante o nível, atento ao prumo, erguendo um outro equilíbrio, e pondo força, subindo sempre em altura, retesando sobretudo meus músculos clandestinos, redescobrindo sem demora em mim todo o animal, cascos, mandíbulas e esporas, deixando que um sebo oleoso cobrisse minha escultura enquanto eu cavalgasse fazendo minhas crinas voarem como se fossem plumas, amassando com minhas patas sagitárias o ventre mole deste mundo, consumindo neste pasto um grão de trigo e uma gorda fatia de cólera embebida em vinho... ”





Lavoura Arcaica - Raduan Nassar

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