Não se nasce mulher, chega-se a sê-lo.

Minha vizinha evangélica é a moça mais recatada do mundo, quando nos cruzamos, ela até abaixa a cabeça e olha pro chão.Sabe o que eu descobri?Quando a mãe dela vai trabalhar, ela coloca um cd da Beyoncé e fica imitando as coreografias dela.Ela sabe todas as letras direitinho...e até canta bem sabem?
Eu simpatizo com ela.Por que não sei se vocês perceberam, mas é o jeito tímido dela resistir...dela dar vazão ao que ela de fato sente e é.Ela gostaria de ser a Beyoncé (rs!), mas por causa da realidade que ela vive: opressora e massificante.(Não que a Beyoncée não seja também uma realidade opressora e massificante...rs).Eu gosto dessa forma de resistir, tímida...Quem sabe um dia ela num consiga se sentir forte o bastante para gritar: EU SOU A BEYONCE E NÃO A FERNANDA BRUM!!!hahaha...ou então ela vai cair no cinismo...tudo depende de como ela encarar essa situação.Se ela entende que é errado ser oprimida desse jeito, ou se ela apenas se sente um peixe fora d`água pequeno demais para nadar contra a correnteza.Talvez ela se sinta uma pecadora por dançar e cantar como a Beyoncé, pobrezinha!
Isso tudo pra dizer que eu estou lendo O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir.Nessa obra, que deu base teórica pra luta feminista da década de 60 até os dias de hoje, a autora (esposa de Sartre onde vivia uma relação absolutamente libertaria e não convencional) nos traça um panorama da condição existencial da mulher.Ela sustenta que a mulher é o grande OUTRO da história da humanidade.A maior de todas as minorias, e ainda sim, a mais alienada de si mesma.Uma minoria sem história, sem pátria, sem religião, sem filosofia...sem rosto.Tudo o que se sabe sobre O SER MULHER, foi dado pelo homem.Foi lhe outorgado uma identidade da qual elas não tiveram participação.Uma identidade que as limita através de um argumento biologicista, e justifica a dominação dos homens.Os melhores salários, as melhores oportunidades, os grandes cargos de chefia, a independência, a chance de sonhar e transcender...a mulher é sempre a segunda.E o mais grave é que ela aceita esse papel e o reivindica, e ainda o dissemina.É comum verem mulheres se queixando que seus maridos ''lhes deixam a deus dará!'' ao invés de se preocuparem elas mesmas em conquistar o que ambicionam.Ou ainda, reproduzir para seus filhos a mesma armadilha que suas mães prepararam para elas.Espalhando indefinidamente uma pedagogia dos vencidos, que amam e se resignam diante do opressor-protetor.A mulher precisa se inventar e tentar a longa viagem rumo a descoberta do que significa ser mulher; essa trajetória ontológica só será travada quando superarmos a lógica de igualdade e abraçarmos a alteridade.

Minha vontade e de ir lá na casa dela e dizer: Acorda!Não se nasce mulher...CHEGA-SE A SÊ-LO.Nenhum argumento biológico deve lhe dizer como você deve viver!